domingo, 15 de maio de 2011

20ª Semana da Temporada 2011


Aberta a Temporada dos Monólogos


Crítica/ Ato de Comunhão

Ritual de comunhão com o inumano
Este monólogo escrito pelo argentino Lautaro Vilo e baseado em fato real ocorrido na Alemanha, condensa a caminhada de um homem que, explicitamente e através de contato digital, procura alguém que se disponha a ser devorado por ele. O antropofágico desejo, que é gestado por emoções acumuladas desde a infância e arquitetado após a morte da mãe, acontecimentos fundadores do desvio, se decompõe em fases da vida como acúmulo de frustrações irrecuperáveis. Vilo mostra a desestruturação desta personalidade em dois momentos que antecedem a sua voragem em devorar seu mundo interior, utilizando-se de suas fraturas diante do mundo exterior. No aniversário de oito anos, a derrota num jogo infantil é razão para desprendê-lo do real e dar início à construção daquilo que o levaria ao ato transgressor. No enterro e velório da mãe, a liturgia do funeral é incapaz de dimensionar o seu desamparo e solidão, e para confrontá-los, ridiculariza a mercantilização do ritual da descida do corpo à tumba. Só e livre, com os meios de assistir e contatar perversões através das redes sociais, lança sua mensagem macabra, que é captada por alguém disposto a se submeter a ela. Descrevendo cada etapa da concretização deste ato de comunhão com o inumano, Vilo, dramaturgo de 33 anos, circunscreve o rito sinistro numa exposição fria. O encenador e ator Gilberto Gawronski, que teve Warley Goulart como codiretor, conduziu esse depoimento, em cartaz na galeria de arte do Espaço Sérgio Porto, sem efeitos dramatizantes. Narrador de seu próprio teatro de horror, o personagem é suficientemente carregado de drama para que se procure acentuá-lo. Gawronski, como diretor e intérprete, também não intenta traçar uma imagem psicológica. Recorre a narração equidistante, quase mecânica, em que sua voz gravada, muitas vezes, dá continuidade à voz ao vivo e aos silêncios significantes. Com cenário despojado e projeções oportunas de Jorge Neto, os 25 espectadores desta jornada a um universo de abominação ficam frente a um ator sóbrio na vestimenta preta e no tom de resposta a um julgamento em tribunal, transmitindo com detalhamento interpretativo, o ascetismo de emoções mórbidas. Um trabalho de cuidado e rigor.       


Crítica/ Depois do Filme

Viagem existencial no veículo detonado do olhar
O personagem Ulisses, do filme Juventude, de Domingos de Oliveira, sai da tela do cenário do espetáculo, escrito, dirigido e interpretado por Aderbal Freire-Filho, e se corporifica no palco do recém-inaugurado aconchegante e bem equipado Poeirinha, filhote do vizinho Teatro Poeira. Aderbal que foi Ulisses no cinema, decidiu prolongar-lhe a vida no teatro, transformando em monólogo existencial aquele que deixou o filme para assistir ao roteiro de sua decadência até à exibição do fim. Percorre a cidade com a câmera dos olhos, investindo-se de astro de sua fantasia, conduzindo-se por paragens sem futuro em um carro detonado, fazendo serenata pelo interfone, mendigando algum trocado. Ulisses não tem mais tempo para criar. Nada. O tempo acabou, assim ele escolheu. Vagar pelo centro e por bairros, fugir do hospital, encontrar, fortuitamente, bolivianos desavindos, que sobrevivem da venda de bugingangas, é o destino possível para quem não se concede mais rounds. Para reinterpretar Ulisses, Aderbal se fez, depois de décadas, ator. Foi a forma de dar continuidade e reviver o personagem que no cinema encontrava junto aos amigos a realidade da passagem dos anos. No teatro, Ulisses-Aderbal atua como um homem que num fiapo de vida, se desprende do pouco que o mantém lúcido para sonhar ser outro, de circular pela ilusão de não ter sido. Nesta viagem cênica, Aderbal incorpora Ulisses  como um intérprete que faz de si veículo, muito mais como forma de recontar-se como homem de teatro, do que como ator que se queira medir no palco.            


Crítica/ Clichê

Tiques e caretas em show de lugares-comuns
Neste monólogo, o que seu autor Marcelo Pedreira pretendeu foi extrair dos lugares-comuns, frases feitas, ditos exaustivamente repetidos, clichês, enfim, algum resultado cômico. Na compilação de tantos chavões de linguagem, o autor caiu na armadilha daquilo que queria registrar. A longa e repetitiva acumulação deste tipo de vício da fala comum, perde o humor depois de se ouvir sequência monótona deste roteiro de muito do mesmo. E ao tentar se afastar da trilha do previsível, procurando selecionar o clichê por temas, não escapa da cilada do texto. Mesmo compartimentando, Marcelo Pedreira recai no convencionalismo da monotonia aprisionadora do tema. Não se altera muito o fato de nomear os clichês na publicidade, na música brega, nas novelas de televisão, no futebol e na política. Mais próximo do show de piadas e do humor ralo, falta a esse Clichê maior tratamento que o faça ultrapassar a compilação para dar-lhe forma mais teatral. Talvez nem tenha sido esse o propósito do autor, mas o resultado é pouco mais do que a lembrança seriada das frases feitas, que depois de poucos minutos perdem, a eficácia como humor. O espetáculo que está no palco do Teatro Leblon no horário tardio das 23h30 (um irresistível convite ao cochilo diante da repetição do que se assiste) já demonstra o seu descompromisso com maior elaboração teatral, ao deixar o palco totalmente despido de cenografia. A direção conduz mais a iluminação e as entradas sonoras do que propriamente o ator. Preso ao modelo do show de humor, Lúcio Mauro Filho substitui qualquer idéia de interpretação por sucessivas tiques e caretas, agitação corporal e risinhos nervosos, reforçando o que o texto não oferece como alternativa de atuação.     


Cenas Curtas nos Estados

Porto Alegre - O diretor gaúcho Luciano Alabarse, curador do festival Porto Alegre em Cena, assina a montagem de Ifigênia em Áulis + Agamenon, que depois de curta temporada no Theatro São Pedro, estréia em junho no Teatro Renascença, de Porto Alegre. Alabarse, dedicado estudioso dos textos que escolhe para suas encenações, desta vez analisa o de Eurípedes, sob a perspectiva da contemporaneidade: “Em um mundo como o nosso, convulsionado por guerras e invasões hegemônicas, o texto ganha atualidade aterradora. Países continuam invadindo países, saqueando culturas, matando milhares de pessoas, destruindo a cultura e os costumes dos povos vencidos. No ano em que lembraremos os dez anos da destruição das Torres Gêmeas, as convulsões da Líbia, Egito, Iraque e Afganistão, Eurípedes aparece como um verdadeiro profeta visionário a escrever  violento libelo contra a guerra e suas consequências nefastas. Ao mesmo tempo, o texto é de uma poesia perturbadora, com imagens belíssimas.”
Sul e Sudeste – Na sua 11ª edição, o Festival do Teatro Brasileiro – Cena Mineira circulará pelos estados do sul e sudeste do país, apresentando a produção mineira a plateias das cidades de Campinas, Paulínea, Sorocaba, Curitiba, Araucária, Ponta Grossa, Porto Alegre, Caxias do Sul e Novo Hamburgo. Deste painel da produção cênica de Minas, participarão grupos gestados no núcleo de estudos e formação do Galpão Cine Horto, braço formativo do coletivo de Belo Horizonte. Durante um mês – de 16 de junho a 17 de julho – esta circulação de espetáculos, complementará as apresentações com oficinas e programa educativo para alunos de escolas públicas. Em cada etapa do festival – antes já foram programadas cenas baianas, cearense, pernambucana que visitaram Rio, Minas, Espírito Santo, Bahia, Sergipe, Ceará, Maranhão, Pernambuco e Brasília – dois ou mais estados conhecem o teatro que é feito em outro estado brasileiro.  

Salvador Benção, a mais recente montagem do Bando de Teatro Olodum, que o público carioca pôde assistir, em dezembro, no Espaço Tom Jobim, no Jardim Botânico, volta a ser apresentado na sede do grupo, o Teatro Villa Velha, em Salvador. Com direção de Márcio Meirelles, a montagem reverencia o conhecimento dos mais velhos, ligados à religiosidade do candomblé e à perda da sua influência na contemporaneidade. Como num ritual de terreiro de candomblé, o elenco evolui neste cerimonial cênico  como num balé, capaz de criar formas harmoniosas entre o calor do terreiro e o rigor do palco. Sem folclore e com idéia dramatúrgica consistente, o Bando de Teatro Olodum faz depoimento sensível e, algumas vezes até contundente, sobre o tempo e o desgaste que o seu uso tem provocado.                

Curitiba – A Companhia Brasileira de Teatro, com sede na capital paranaense e atualmente em temporada no Mezzanino do Espaço Sesc, em Copacabana, com Oxigênio, original do russo Ivan Viripaev, vem ganhando projeção nacional com seu instigante repertório. O grupo dirigido por Márcio Abreu, o mesmo que encenou Vida, inspirada  na obra de Paulo Leminski já tem definida a sua programação para os próximos meses. Atualmente, mantém o Projeto Rumos de intercâmbio com o grupo Espanca! de Belo Horizonte. Para setembro, com estreia no Teatro Novelas Curitibanas anuncia Isso Te Interessa?, a partir do texto Bon, Saint Cloud, de Noëlle Renaud, além de criação inédita a partir da obra do autor Joel Pommerat, e do título Sobre o Dia Em Que Nasci. 


São Paulo - Estreou na capital paulista, no Teatro Anchieta (Sesc Anchieta), a adaptação de Ingmar Bergman para Espectros, de Henrik Ibsen. O denso texto do dramaturgo norueguês tem direção de Francisco Medeiros  e elenco formado por Clara Carvalho, Nelson Baskerville, Plínio Soares, Flávia Barollo e Patrícia Castilho. Nesta adaptação, o cineasta e diretor teatral sueco reescreveu o texto, cortando e introduzindo trechos de peças de August Strindberg, como O Pelicano e Sonata dos Espectros. Na sua avaliação das modificações ao original, Bergman conclui: “com uma grande tesoura de aço, cortei em pedaços o férreo espartilho ibseniano, deixando temas fundamentais intactos”. 




 O Que Há (de melhor) Para Ver

Nunca Falei Que Seria Fácil – Vivências do cotidiano – crianças que não querem abandonar a chupeta, casais em desavença, solidão em estado de beligerância com o mundo, solidão – se manifestam como sentimentos  de ternas observações sobre a rotina dos afetos em texto que explora, numa ciranda de situações, impressões emocionais. O trio de atores imprime pulsação e vigor à cena, em prolongamento de uma escrita articulada com sensível linguagem exploratória das possibilidades narrativas do teatro. Espaço Cultural Sérgio Porto.      

                                    macksenr@gmail.com